domingo, 12 de maio de 2013

TEORIA HEXAPARTITE DO DIREITO MILITAR

O Direito Positivo se divide em diversos ramos de estudo, o que proporciona a cada um destes ramos, seu aprimoramento a fim de alcançar uma autonomia científica, acompanhando, assim, as mudanças da sociedade.
Esses ramos do Direito Positivo encontram-se divididos em dois grandes grupos. Um em que predominam as normas de ordem pública, que tutelam os interesses da coletividade em detrimento as vontades das partes. Este grupo é denominado de Direito Público, e possui como ramos: o direito constitucional, tributário, administrativo, penal, etc.
No outro grupo, predomina o interesse dos particulares, sendo este denominado de Direito Privado, e possui como ramos: direito civil, empresarial, etc.
É preciso ressaltar que, segundo parte da doutrina esta clássica bipartição romana do direito não se coaduna mais com a realidade jurídica e não atende à complexidade das relações da sociedade moderna, mas que, por ora, será mantida para melhor compreensão do que se pretende com este texto.
Também é preciso mencionar que modernamente outra divisão se mostrrou necessária, a divisão entre direito interno e internacional.
Isto posto, pode-se afirmar que o Direito Militar é um ramo autônomo do Direito Público, que se dedica ao estudo das normas jurídicas inerentes à Função Militar, que, por sua vez, compreende uma especial função do Estado que emana da Constituição e das leis infraconstitucionais, e é exercida por instituições militares - Forças Armadas (Marinha, Exército e Força Aérea).
Como no Brasil nosso ordenamento jurídico ainda prevê, anomalamente, a existência de corporações militarizadas estaduais/distritais - Forças Auxiliares (Policias e Corpos de Bombeiros Militares) o Direito Militar contempla o estudo da Função Militar das aludidas forças. Isto fica claro na definição de Direito Militar trazida por Jorge César de Assis:
Há que se entender todo o conjunto legislativo que está ligado, de uma forma ou outra, ao sistema que envolve tanto as Forças Armadas Brasileiras, como aquelas que são consideradas suas Forças Auxiliares: as policias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal[1].
Com a evolução da sociedade e, por conseguinte, do Direito, houve a necessidade da doutrina realizar cortes epistemológicos no Direito Militar, pois ao contrário do que se pensava este ramo do Direito não trata única e exclusivamente de matéria penal militar, e, assim, precisava ser estudado de acordo com a matéria abordada.
Eliezer Pereira Martins ao definir Direito Militar faz esse corte:

O direito militar pode ser definido como o conjunto harmônico de princípios e normas jurídicas que regulam matéria de natureza militar, podendo ser de caráter constitucional, penal ou administrativo[2].

Através da definição supracitada, evidencia-se uma Teoria Tripartite do Direito Militar, segundo a qual esse ramo autônomo do Direito Público dividir-se-ia para fins meramente didáticos e de aprendizagem em três sub-ramos: Constitucional, Penal e Administrativo.
No entanto, Antônio Pereira Duarte tende a uma Teoria Hexapartite sobre a divisão do Direito Militar:

Numa classificação preliminar, é possível distinguir o direito penal militar, o direito processual penal militar, o direito administrativo militar, o direito disciplinar militar, o direito previdenciário militar, além de outros que guardam pertinência com o emprego de Forças Armadas na solução de conflitos armados, destacando-se, nesse ponto, o direito internacional dos conflitos armados, também conhecido como direito internacional humanitário[3].

No tocante à parte disciplinar, uma parcela da doutrina vem estudando-a como um ramo autônomo do direito denominado “Direito Administrativo Disciplinar Militar”. Jorge César de Assis define direito administrativo disciplinar como sendo:

Aquele que se ocupa com as relações decorrentes do sistema jurídico militar vigente no Brasil, o qual pressupõe uma indissociável relação entre o poder de mando dos comandantes, chefes e diretores militares (conferido por lei e delimitado por esta) e o dever de obediência de todos os que lhes são subordinados, relação essa tutelada pelos regulamentos disciplinares quando prevê as infrações disciplinares e suas respectivas punições, e controlada pelo poder judiciário quando julga as ações judiciais propostas contra atos disciplinares militares[4].

Com a devida venia, não é razoável distinguir o “Direito Administrativo Militar” do “Direito Disciplinar Militar”. Primeiro, porque o poder disciplinar é um dos poderes inerentes à Administração Pública e convém que seja estudado de forma harmônica com o ramo do Direito que se propõem estudá-lo, ou seja, o Direito Administrativo Militar.
Segundo, porque se teme que tal separação leve a mitigação de uma série de garantias inerentes ao nosso Estado Democrático de Direito, como a reserva legal, em prol de se justificar atos não compatíveis com normas democráticas e republicanas, com a justificativa de se manter a hierarquia e a disciplina no ambiente castrense.
Seguindo posicionamento de Antônio Pereira Duarte, adota-se uma Teoria Hexapartite, com as devidas alterações, quanto à repartição em sub-ramos de estudo do Direito Militar.
O Direito Militar divide-se para fins meramente didáticos e de aprendizagem em: Direito Constitucional Militar, Direito Penal Militar, Direito Processual Penal Militar, Direito Administrativo Militar, Direito Previdenciário Militar e Direito Internacional Humanitário ou Direito Internacional dos Conflitos Armados.
Embora vozes respeitáveis proclamem mais sub-ramos, como Direito Eleitoral Militar, Direito Civil Militar e Direito Administrativo Disciplinar Militar, ainda não me convenço de sua suficiente autonomia. Vejamos cada um desses seis sub-ramos.
1) Direito Constitucional Militar  - pode ser definido como o conjunto de princípios e normas constitucionais que norteiam toda a função estatal militar. Segundo Eliezer Pereira Martins:

A matéria militar desde sempre esteve inscrita nas Constituições e Cartas políticas promulgadas ou outorgadas em nosso país. A Constituição da República em vigor em nosso país, editada em 1988, analítica que é, prestigiou em seu cerne vários sistemas de direito, alguns inclusive, exaustivamente detalhados, a exemplo do sistema tributário nacional, o sistema de segurança pública, o sistema administrativo, etc. Ora, cada um destes sistemas nos permite dissertar sobre suas peculiaridades, donde falar-mos sobre um direito constitucional tributário, de um direito constitucional administrativo, de um direito constitucional penal e assim por diante. Sendo assim, resulta acertada a solução de tratar-se de um ‘direito constitucional militar’, posto que no bojo da Constituição da República em vigor existe um sistema de normas constitucionais cujo objeto é a disciplina militar em seus aspectos orgânico, funcional, institucional, etc. A superabundância da matéria militar na Constituição em vigor está a indicar a necessidade de sistematização do tema dentro do quadro de princípios de hermenêutica constitucional, daí mais um fator de conveniência do estudo do ‘direito constitucional militar’. Tendo o legislador constituinte versado de forma caudalosa da matéria militar, como já demonstrado, resulta que inscreveu no texto da Constituição princípios constitucionais de índole militar. Ora, ao fugir do quadro mínimo desejável (regular as relações entre governantes e governados, traçar os limites dos poderes do Estado e declarar os direitos e garantias individuais) a Constituição de 1998 impôs à doutrina o estudo das disciplinas jurídica [sic] incidentes sob direitos consagrados na Constituição, qualquer que seja a sua natureza do ponto de vista de classificação doutrinária, daí porque não ser impróprio o estudo do ‘direito constitucional militar’. Abre-se assim um novo enfoque para a exegese e aplicação do direito castrense[5].

2) Direito Penal Militar - é a parcela do Direito Militar que estabelece as ações ou omissões delitivas de natureza militar (próprias, impróprias ou acidentais), cominando-lhes determinadas consequências jurídicas, bem como seus instrumentos de execução.
3) Direito Processual Penal Militar - entende-se pelo conjunto de normas que norteiam a aplicação do Direito Penal Militar pelos órgãos jurisdicionais competentes, bem como a atividade policial judiciária militar.
4) Direito Previdenciário Militar  - tem como sua melhor definição, a ensinada por Antônio Pereira Duarte: “(...) um ramo especial voltado para o estudo das normas, princípios e atos decorrentes da inativação dos militares, abrangendo a reserva, a reforma, as pensões militares e outros benefícios de natureza assistencial-previdenciário[6].”
5) Direito Internacional Humanitário ou Direito Internacional dos Conflitos Armados -  mais uma vez nas palavras de Antônio Pereira Duarte:

Envolve o estudo das normas adotados [sic] pelo Brasil, em matéria de conflitos armados, inclusive aquelas pertinentes ao estatuto penal de Roma, do Tribunal Penal Internacional. Torna-se, pois, um ramo de grande impacto para as esferas militares, visto que apresenta o rol de regras que, atualmente, regulam o direito de guerra, as questões emergidas ao longo de um conflito armado, a conduta que deve presidir as operações bélicas, os direitos e deveres dos militares durante uma conflagração, a proteção dos direitos humanos durante o conflito, dentre outras[7].

6) Direito Administrativo Militar  - é a parcela do Direito Militar que estuda as relações da administração pública militar com seus administrados, ou seja, os servidores públicos militares e terceiros. É a parcela do Direito Militar que aborda a maior parte das normas militares, como por exemplo, a parte remuneratória, carreira e a disciplinar.
Logo, pode-se concluir que, didaticamente, a Teoria Hexapartite é a que melhor proporciona um método de estudo do Direito Militar.


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Daniel Accioly. Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes – RJ. Especialista em Direito Público, em Direito Militar e em Direito Penal, Direito Processual Penal e Criminologia.






[1] ASSIS, Jorge César de. Curso de Direito Disciplinar Militar: Da Simples Transgressão ao Processo Administrativo. 1. ed. Curitiba: Juruá. 2007.  p.17.
[2] MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Constitucional Militar. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3854>. Acesso em: 26 nov. 2007.
[3] DUARTE, Antônio Pereira. O Direito Militar na Ordem Jurídica Nacional. Palestra proferida em 10 de junho de 2008, na Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes, do TJMG, Núcleo Juiz de Fora.
[4] ASSIS, Jorge César de. Op. cit. p. 67.
[5] MARTINS, Eliezer Pereira. Op. Cit.
[6] DUARTE, Antônio Pereira. Op. Cit.
[7] Idem.

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