O
Direito Positivo se divide em diversos ramos de estudo, o que proporciona a
cada um destes ramos, seu aprimoramento a fim de alcançar uma autonomia
científica, acompanhando, assim, as mudanças da sociedade.
Esses
ramos do Direito Positivo encontram-se divididos em dois grandes grupos. Um em
que predominam as normas de ordem pública, que tutelam os interesses da
coletividade em detrimento as vontades das partes. Este grupo é denominado de
Direito Público, e possui como ramos: o direito constitucional, tributário,
administrativo, penal, etc.
No
outro grupo, predomina o interesse dos particulares, sendo este denominado de
Direito Privado, e possui como ramos: direito civil, empresarial, etc.
É preciso ressaltar que, segundo
parte da doutrina esta clássica bipartição romana do direito não se coaduna
mais com a realidade jurídica e não atende à complexidade das relações da
sociedade moderna, mas que, por ora, será mantida para melhor compreensão do
que se pretende com este texto.
Também é preciso mencionar que modernamente
outra divisão se mostrrou necessária, a divisão entre direito interno e
internacional.
Isto
posto, pode-se afirmar que o Direito Militar é um ramo autônomo do Direito Público,
que se dedica ao estudo das normas jurídicas inerentes à Função Militar, que,
por sua vez, compreende uma especial função do Estado que emana da Constituição
e das leis infraconstitucionais, e é exercida por instituições militares -
Forças Armadas (Marinha, Exército e Força Aérea).
Como
no Brasil nosso ordenamento jurídico ainda prevê, anomalamente, a existência de
corporações militarizadas estaduais/distritais - Forças Auxiliares (Policias e
Corpos de Bombeiros Militares) o Direito Militar contempla o estudo da Função
Militar das aludidas forças. Isto fica claro na definição de Direito Militar
trazida por Jorge César de Assis:
Há
que se entender todo o conjunto legislativo que está ligado, de uma forma ou
outra, ao sistema que envolve tanto as Forças Armadas Brasileiras, como aquelas
que são consideradas suas Forças Auxiliares: as policias militares e os corpos
de bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal[1].
Com
a evolução da sociedade e, por conseguinte, do Direito, houve a necessidade da
doutrina realizar cortes epistemológicos no Direito Militar, pois ao contrário
do que se pensava este ramo do Direito não trata única e exclusivamente de
matéria penal militar, e, assim, precisava ser estudado de acordo com a matéria
abordada.
Eliezer
Pereira Martins ao definir Direito Militar faz esse corte:
O direito militar pode ser
definido como o conjunto harmônico de princípios e normas jurídicas que regulam
matéria de natureza militar, podendo ser de caráter constitucional, penal ou
administrativo[2].
Através
da definição supracitada, evidencia-se uma Teoria Tripartite do Direito Militar,
segundo a qual esse ramo autônomo do Direito Público dividir-se-ia para fins
meramente didáticos e de aprendizagem em três sub-ramos: Constitucional, Penal
e Administrativo.
No
entanto, Antônio Pereira Duarte tende a uma Teoria Hexapartite sobre a divisão
do Direito Militar:
Numa classificação preliminar, é
possível distinguir o direito penal militar, o direito processual penal
militar, o direito administrativo militar, o direito disciplinar militar, o
direito previdenciário militar, além de outros que guardam pertinência com o
emprego de Forças Armadas na solução de conflitos armados, destacando-se, nesse
ponto, o direito internacional dos conflitos armados, também conhecido como
direito internacional humanitário[3].
No
tocante à parte disciplinar, uma parcela da doutrina vem estudando-a como um ramo
autônomo do direito denominado “Direito Administrativo Disciplinar Militar”.
Jorge César de Assis define direito administrativo disciplinar como sendo:
Aquele que se ocupa com as
relações decorrentes do sistema jurídico militar vigente no Brasil, o qual
pressupõe uma indissociável relação entre o poder de mando dos comandantes,
chefes e diretores militares (conferido por lei e delimitado por esta) e o
dever de obediência de todos os que lhes são subordinados, relação essa
tutelada pelos regulamentos disciplinares quando prevê as infrações
disciplinares e suas respectivas punições, e controlada pelo poder judiciário
quando julga as ações judiciais propostas contra atos disciplinares militares[4].
Com
a devida venia, não é razoável
distinguir o “Direito Administrativo Militar” do “Direito Disciplinar Militar”.
Primeiro, porque o poder disciplinar é um dos poderes inerentes à Administração
Pública e convém que seja estudado de forma harmônica com o ramo do Direito que
se propõem estudá-lo, ou seja, o Direito Administrativo Militar.
Segundo,
porque se teme que tal separação leve a mitigação de uma série de garantias
inerentes ao nosso Estado Democrático de Direito, como a reserva legal, em prol
de se justificar atos não compatíveis com normas democráticas e republicanas,
com a justificativa de se manter a hierarquia e a disciplina no ambiente
castrense.
Seguindo
posicionamento de Antônio Pereira Duarte, adota-se uma Teoria Hexapartite, com
as devidas alterações, quanto à repartição em sub-ramos de estudo do Direito Militar.
O
Direito Militar divide-se para fins meramente didáticos e de aprendizagem em:
Direito Constitucional Militar, Direito Penal Militar, Direito Processual Penal
Militar, Direito Administrativo Militar, Direito Previdenciário Militar e Direito
Internacional Humanitário ou Direito Internacional dos Conflitos Armados.
Embora
vozes respeitáveis proclamem mais sub-ramos, como Direito Eleitoral Militar,
Direito Civil Militar e Direito Administrativo Disciplinar Militar, ainda não
me convenço de sua suficiente autonomia. Vejamos cada um desses seis sub-ramos.
1)
Direito Constitucional Militar - pode ser definido como o conjunto de
princípios e normas constitucionais que norteiam toda a função estatal militar.
Segundo Eliezer Pereira Martins:
A matéria militar desde sempre
esteve inscrita nas Constituições e Cartas políticas promulgadas ou outorgadas
em nosso país. A Constituição da República em vigor em nosso país, editada em
1988, analítica que é, prestigiou em seu cerne vários sistemas de direito,
alguns inclusive, exaustivamente detalhados, a exemplo do sistema tributário
nacional, o sistema de segurança pública, o sistema administrativo, etc. Ora,
cada um destes sistemas nos permite dissertar sobre suas peculiaridades, donde
falar-mos sobre um direito constitucional tributário, de um direito
constitucional administrativo, de um direito constitucional penal e assim por
diante. Sendo assim, resulta acertada a solução de tratar-se de um ‘direito
constitucional militar’, posto que no bojo da Constituição da República em
vigor existe um sistema de normas constitucionais cujo objeto é a disciplina
militar em seus aspectos orgânico, funcional, institucional, etc. A
superabundância da matéria militar na Constituição em vigor está a indicar a
necessidade de sistematização do tema dentro do quadro de princípios de
hermenêutica constitucional, daí mais um fator de conveniência do estudo do ‘direito
constitucional militar’. Tendo o legislador constituinte versado de forma
caudalosa da matéria militar, como já demonstrado, resulta que inscreveu no
texto da Constituição princípios constitucionais de índole militar. Ora, ao
fugir do quadro mínimo desejável (regular as relações entre governantes e
governados, traçar os limites dos poderes do Estado e declarar os direitos e
garantias individuais) a Constituição de 1998 impôs à doutrina o estudo das
disciplinas jurídica [sic] incidentes sob direitos consagrados na Constituição,
qualquer que seja a sua natureza do ponto de vista de classificação
doutrinária, daí porque não ser impróprio o estudo do ‘direito constitucional
militar’. Abre-se assim um novo enfoque para a exegese e aplicação do direito
castrense[5].
2)
Direito Penal Militar - é a parcela do Direito Militar que
estabelece as ações ou omissões delitivas de natureza militar (próprias, impróprias
ou acidentais), cominando-lhes determinadas consequências jurídicas, bem como
seus instrumentos de execução.
3)
Direito Processual Penal Militar - entende-se
pelo conjunto de normas que norteiam a aplicação do Direito Penal Militar pelos
órgãos jurisdicionais competentes, bem como a atividade policial judiciária
militar.
4)
Direito Previdenciário Militar - tem como sua melhor definição, a ensinada
por Antônio Pereira Duarte: “(...) um ramo especial voltado para o estudo das
normas, princípios e atos decorrentes da inativação dos militares, abrangendo a
reserva, a reforma, as pensões militares e outros benefícios de natureza
assistencial-previdenciário[6].”
5)
Direito Internacional Humanitário ou Direito
Internacional dos Conflitos Armados - mais uma vez nas palavras de Antônio Pereira
Duarte:
Envolve o estudo das normas
adotados [sic] pelo Brasil, em matéria de conflitos armados, inclusive aquelas
pertinentes ao estatuto penal de Roma, do Tribunal Penal Internacional. Torna-se,
pois, um ramo de grande impacto para as esferas militares, visto que apresenta
o rol de regras que, atualmente, regulam o direito de guerra, as questões
emergidas ao longo de um conflito armado, a conduta que deve presidir as
operações bélicas, os direitos e deveres dos militares durante uma
conflagração, a proteção dos direitos humanos durante o conflito, dentre outras[7].
6)
Direito Administrativo Militar - é a parcela do Direito Militar que estuda as
relações da administração pública militar com seus administrados, ou seja, os
servidores públicos militares e terceiros. É a parcela do Direito Militar que aborda
a maior parte das normas militares, como por exemplo, a parte remuneratória,
carreira e a disciplinar.
Logo,
pode-se concluir que, didaticamente, a Teoria Hexapartite é a que melhor
proporciona um método de estudo do Direito Militar.
______________________
Daniel Accioly. Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes –
RJ. Especialista em Direito Público, em Direito Militar e em Direito
Penal, Direito Processual Penal e Criminologia.
[1] ASSIS, Jorge
César de. Curso de Direito Disciplinar
Militar: Da Simples Transgressão ao Processo Administrativo. 1. ed.
Curitiba: Juruá. 2007. p.17.
[2] MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Constitucional Militar. In: Jus
Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3854>. Acesso em: 26 nov.
2007.
[3] DUARTE, Antônio Pereira. O Direito Militar na Ordem Jurídica
Nacional. Palestra proferida em 10 de junho de 2008, na Escola Judicial
Desembargador Edésio Fernandes, do TJMG, Núcleo Juiz de Fora.
[4] ASSIS, Jorge César de. Op. cit.
p. 67.
[5] MARTINS, Eliezer Pereira. Op.
Cit.
[6] DUARTE, Antônio Pereira. Op.
Cit.
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