Foi
no ano de 1859 que o Direito Internacional Humanitário, como ramo do direito,
teve, na Batalha de Solferino, seu
surgimento.
Embora
hoje – como visto em texto anterior onde tratamos acerca do surgimento, desenvolvimento e finalidade do
Direito Internacional dos Conflitos Armados (se você não leu, clica aqui) – inúmeros sejam os instrumentos do ius in bello, dois conjuntos de leis
humanitárias, especificamente, destacam-se por sua importância no âmbito do
Direito Internacional dos Conflitos Armados, quais sejam: as Convenções de
Genebra de 1949 e os protocolos adicionais de 1977.
Após a Segunda
Guerra, tendo em vista o testemunho mundial das atrocidades nela cometidas,
incentivado pelo Comitê Internacional da
Cruz Vermelha, no ano de 1949, o Conselho Federal Suíço convocou a
Conferência Diplomática para elaborar
Convenções Internacionais destinadas a proteger as vítimas da guerra.
Foram quatro
meses de ininterruptas e intensas deliberações que culminaram na elaboração de
quatro Convenções que enumeravam com um maior detalhamento os direitos
consagrados aos indivíduos em uma situação de conflito armado.
As Convenções de
Genebra de 1949 prescrevem, cada uma, normas de proteção específicas a
determinadas categorias de pessoas em caso de conflitos internacionais:
a I Convenção de Genebra de 1949
protege os feridos e os enfermos em campanha, enquanto a II Convenção de Genebra de 1949 protege os feridos, enfermos e
náufragos no mar. Por sua vez, a III
Convenção de Genebra de 1949 dispõe acerca dos prisioneiros de guerra e,
por fim, a IV Convenção de Genebra de 1949 confere proteção especial à
população civil vítima de um conflito internacional.
No
ano de 1977 dois Protocolos Adicionais complementaram as quatro Convenções de
Genebra de 1949, sendo que o I Protocolo Adicional versa sobre as vítimas de
conflitos armados internacionais e o II Protocolo Adicional versa sobre as
vitimas de conflitos armados não internacionais.
São essas
Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais – sobre as/os quais,
hoje, se assenta a base fundamental do Direito Internacional dos Conflitos
Armados – que constituem a essência do Direito Internacional Humanitário e
estabelecem as regras que visam, por questões humanitárias, limitar os efeitos
do conflito armado, protegendo não apenas as pessoas que não participam ou
deixaram de participar das hostilidades, mas também os civis, os profissionais
de saúde e de assistência, os soldados feridos ou doentes, os prisioneiros de
guerra e outras pessoas privadas de liberdade, na medida em que impõem
restrições aos meios e métodos de guerra a que as partes podem recorrer.
Hoje, as
Convenções de Genebra de 1949 tornaram-se universais,
tendo sido a República do Sudão do Sul o último Estado a assiná-las, aos 16 de
julho de 2012.
O Brasil, que
ratificou todas as Convenções de Genebra de 1949, promulgou-as por meio do
Decreto nº 42.121, de 21 de agosto de 1957.
A
I CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1949
Criada aos 12 de
agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a elaborar as Convenções
Internacionais para a proteção das vítimas da Guerra, a I Convenção de Genebra de 1949 tem por finalidade melhorar as
condições dos feridos, enfermos e pessoal sanitário e religioso em campanha.
Os direitos
estabelecidos na I Convenção de Genebra
de 1949 são, por definição, inalienáveis – tanto por vontade daqueles dos
que são objeto de proteção delas como por vontade das partes pactuantes – não
podendo ser substituídos por direitos estabelecidos em acordos especiais, a
menos que estes criem condições mais benéficas do que as estabelecidas na
Convenção (Cf. art. 6º e 7º da I Convenção).
A I Convenção de Genebra de 1949 tem por
regra fundamental a proteção, em qualquer tempo e lugar, dos feridos e enfermos
em campanha, os quais devem ser respeitados e protegidos pela parte em poder da
qual se encontrem, não podendo lhes ser concedido tratamento desumano e/ou discriminatório.
Como meio de evitar
que sejam estabelecidos critérios de atendimento que levem em consideração as
forças armadas ou a nacionalidade da vítima, como regra, fica PROIBIDO que se
priorize o tratamento médico dos feridos e enfermos. Somente a urgência médica justifica uma exceção à
regra, autorizando que haja prioridade na ordem dos tratamentos (Cf. art. 12 da
I Convenção).
Com vistas a dar
efetividade à proteção que busca assegurar, o artigo 15 da I Convenção de
Genebra de 1949 dispõe acerca dos acordos que as partes em conflito devem
estabelecer para procurar e recolher os feridos e enfermos, assegurando-lhes
proteção e os cuidados médicos necessários (Cf. art. 15 da I Convenção).
No que tange aos
mortos em batalha, a I Convenção de Genebra de 1949 determina que, para fins de
identificação, estes, a princípio, devem ser recolhidos e examinados a fim de
que sejam identificados e a causa mortis
constatada, e posteriormente enterrados honrosamente,
inclusive, se possível, segundo os rituais da religião a que pertenciam,
devendo suas sepulturas serem agrupadas e identificadas para que possam ser
reencontradas.
A cremação dos
corpos somente ocorrerá por motivos decorrentes da religião do falecido ou por
razões de higiene imperiosa (Cf. art. 17 da I Convenção)
Também a I Convenção
de Genebra de 1949 confere especial atenção aos responsáveis por prestar
assistência às vítimas, assim como aos estabelecimentos e unidades móveis (que
não poderão ser alvos de ataques), aos veículos (os quais serão respeitados e
protegidos, sendo que, caso caiam em poder do inimigo, ficará esta obrigada a
se ocupar dos indivíduos ali transportados) e aos materiais destinados aos
cuidados sanitários (os quais, mesmo caindo em poder do inimigo, continuam
sendo de uso dos feridos e enfermos, ficando impedido, portanto, o desvio de
sua função, enquanto forem necessários às vítimas do conflito).
Ao entrarem em
contato com o inimigo, desde que esteja no desempenho de sua função, o pessoal
do serviço de saúde, incluindo os administradores de unidades sanitárias, assim
como os militares especialmente treinados para exercer funções de enfermeiro ou
padioleiro auxiliar (pessoal temporário), gozam de respeito e proteção em qualquer
circunstância.
Somente se o
estado sanitário e o número de prisioneiros de guerra o exigir é que os
enfermeiros podem ser retidos pelo
adversário. Todavia, mesmo nestas circunstâncias, os enfermeiros não serão considerados
prisioneiros de guerra (Cf. art. 28, I Convenção).
Em relação aos
padioleiros auxiliar (pessoal temporário), uma vez que estejam em poder do
inimigo, estes são considerados prisioneiros
de guerra, entretanto, desde que haja necessidade, poderão ser empregado em
missões sanitárias (Cf. art. 29 da I Convenção).
A I Convenção de
Genebra de 1949 também confere proteção ao pessoal de quaisquer instituições de
socorro voluntário que sejam reconhecidas e autorizadas pelo respectivo governo
a exercer tais funções, sendo que o pessoal destas instituições sujeitar-se-á às leis e aos regulamentos
militares (Cf. art. 26 da I Convenção).
Fica autorizado,
ainda, pela I Convenção de Genebra de 1949, que a autoridade militar apele à
população civil para que indivíduos qualificados prestem, sob seu controle,
auxílio médico aos feridos e enfermos em campanha. Aos indivíduos que atenderem
ao apelo da autoridade militar, prestando-lhe o auxílio médico necessário, será
garantida proteção e as facilidades necessárias para tanto, ainda que o
território venha a ser dominado por forças adversárias.
Ninguém poderá
sofrer qualquer tipo de condenação por ter prestado socorro a feridos ou enfermos
de qualquer nacionalidade (Cf. art. 18 da I Convenção).
Finalmente, a
fim de assegurar a garantia das prerrogativas atribuídas ao pessoal sanitário,
possibilitando, consequentemente, melhor atendimento aos feridos e enfermos, a
I Convenção de Genebra de 1949 estabelece que o pessoal médico, bem como os
estabelecimentos e unidades móveis de caráter sanitário, sejam identificados
por meio do sinal distintivo que deve figurar não só nas bandeiras e
braçadeiras, mas em todo material relacionado a esse serviço.
Em homenagem à Suíça,
manteve-se como emblema e sinal distintivo do serviço de saúde dos exércitos, o
sinal heráldico da cruz vermelha em fundo branco, formado pela inversão das
cores federais (Cf. arts. 38 a 44 da I Convenção).
______________________
Mônely Arleu.
Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Juiz de
Fora/MG - Faculdades Doctum. Especializanda em Direito
Militar pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
Deborah Mota. Graduanda em Direito pela Fundação Presidente Antônio
Carlos (FUPAC). Estudiosa e Pesquisadora do Direito Internacional Humanitário
(DIH) e do Direito Penal Internacional (DPI).
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