Subsiste na doutrina discussão acerca de quem detém competência para requisitar força federal
para atuar durante o período eleitoral.
Enquanto
o Código Eleitoral, em seu artigo
23, XIV, afirma ser do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) a competência para requisitar as tropas federais
diretamente ao Chefe do Executivo Federal, a Lei Complementar 97, de 09 de junho de 1999, que dispõe sobre as
normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, em
seu artigo 15, §1º exige que o Supremo
Tribunal Federal (STF) intermedie a requisição da força federal.
In verbis
os citados artigos:
Art. 23, XIV do Código Eleitoral. Compete, ainda,
privativamente, ao Tribunal Superior:
[...]
XIV. requisitar força federal necessária ao
cumprimento da lei, de suas próprias decisões ou das decisões dos Tribunais
Regionais que o solicitarem, e para garantir
a votação e apuração;
Art. 15, Lei Complementar 97/99. O emprego das
Forças Armadas na defesa da pátria e na garantia dos poderes constitucionais,
da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade
do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a
ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação.
[...]
§ 1º. Compete
ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por
iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos
poderes constitucionais, por
intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da
Câmara dos Deputados.
Diante
do conflito de normas supracitado,
qual a maneira correta de proceder? Afinal, é ou não necessário que haja a
intermediação do Supremo Tribunal Federal (STF) na requisição de forças
federais pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?
Pois
bem.
Assim
dispõe o artigo 142, §1º da Constituição Federal de 1988:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela
Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais
permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina,
sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
desses, da lei e da ordem.
§ 1º. Lei
complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no
preparo e no emprego das Forças Armadas.
Considerando
o disposto no supracitado artigo, bem como o que apregoa o princípio hierárquico,
numa análise literal, superficial e precipitada, poderíamos concluir tendo por
preponderante a determinação do artigo 15, §1º da Lei Complementar 97/99, já
que a CF/88, em seu artigo 142, §1º, prevê que lei complementar – como é a Lei Complementar nº. 97, de 09 de junho
de 1990 – é quem “estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na
organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas”, não uma lei ordinária
como é o Código Eleitoral.
Todavia,
concluir acerca da competência para requisição de força federal para emprego
nas eleições é tarefa que exige mais que um raciocínio simplista... É imprescindível que aprofundemo-nos um pouco
mais no estudo, sem que desprezemos elementos necessários à solução do impasse
jurídico.
A
Lei 4.737, de 15 de julho de 1965, a qual instituiu o Código Eleitoral, foi
editada sob a égide da Constituição de 1946 (que não fazia previsão de lei complementar como espécie
normativa).
O
artigo 130 da Constituição de 1967 e o artigo 137 da Emenda Constitucional de
1969, em idêntica redação, dispunham que “a lei estabelecerá a competência
dos Juízes e Tribunais Eleitorais”.
Vê-se,
portanto, que sob a égide da Constituição de 1967, mesmo após a Emenda
Constitucional de 1969, contentava-se que o estabelecimento da competência dos Juízes
e Tribunais Eleitorais fosse feita por lei ordinária.
Com
o advento da nossa atual Carta Magna, de 05 de outubro de 1988, passou-se a
exigir que a fixação de competência dos Tribunais, juízes e juntas eleitorais
fosse submetida a um processo normativo mais rígido, por meio da edição de lei
complementar, conforme dispõe o artigo 121 da CF/88:
Art. 121. Lei
complementar disporá sobre a organização e competência dos Tribunais, dos
juízes de direito e das juntas eleitorais.
Neste
sentido, embora, de fato, a lei que instituiu o Código Eleitoral (Lei 4.737/65)
e, consequentemente, a competência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seja
uma lei ordinária, esta, uma vez tendo sida instituída a nova ordem
constitucional, no ano de 1988, foi recepcionada pela Constituição Federal como
lei materialmente complementar e formalmente ordinária.
Assim,
ante a recepção do Código Eleitoral pela nova ordem constitucional como lei complementar, não há que se falar
em ab-rogação deste pela Lei complementar 97/99. Todavia, é inegável a
ocorrência de antinomia entre as supracitadas normas (Código Eleitoral e Lei
Complementar 97/99), pois que estas trazem comandos que se opõem, urgindo daí a
necessidade de que este problema seja resolvido por meio da determinação de
qual das normas conflitantes é válida e qual é inválida.
Dois
dos quatro critérios existentes para solução de conflito entre normas (o
hierárquico, o cronológico, o da especialidade e o da lei mais benéfica), a
princípio, podem, no caso em análise, auxiliar-nos na solução do problema,
quais sejam: o critério cronológico e o critério da especialidade.
Digo
‘a princípio’ porque embora pelo critério
cronológico, defrontando-se normas postas num mesmo plano hierárquico (no
caso em estudo, leis complementares), prevaleça a norma posterior (lex posterior derogat priori), pelo critério da especialidade – que é
extremamente mais forte que o cronológico, devendo por isso mesmo prevalecer
sobre este – de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou
excepcionais), prevalece a segunda.
Enquanto
a Lei complementar 97/99 disciplina as normas
gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas,
incluindo a requisição de tropas federais nos casos de calamidade, epidemias,
etc., o Código Eleitoral disciplina, de
maneira específica, a requisição das forças federais para emprego nas
eleições, a fim de garantir a posse nos cargos eletivos somente dos que foram
legitimamente eleitos, o efetivo cumprimento da legislação eleitoral, bem como
o livre exercício do direito do voto, da normalidade da votação e da apuração
dos resultados (cf. arts. 1º, caput e
2º parágrafo único da Resolução-TSE 21.843, de 22 de junho de 2004).
Logo,
pelo critério da especialidade, o qual prevalece sobre o critério cronológico, por
o Código Eleitoral (como dito, recepcionado pela CF/88 como lei complementar)
ser norma anterior especial,
enquanto a Lei Complementar 97/99 é norma
posterior geral, a norma que trata acerca da requisição de força federal
para emprego nas eleições insculpida naquele diploma legal deve prevalecer em detrimento
da estabelecida na Lei Complementar 97/99.
Assim,
entendo não restarem dúvidas acerca da subsistência do Código Eleitoral à Lei
Complementar 97/99, sendo, portanto, o Tribunal
Superior Eleitoral competente para requisitar força federal para emprego
nas eleições diretamente ao Presidente da República, sem que prescinda da
intermediação do presidente do Supremo Tribunal Federal.
No
que pertine às requisições dos tribunais regionais, tem vigência o disposto no
art. 30, XII do Código Eleitoral, devendo estes solicitarem ao Tribunal
Superior Eleitoral a requisição de força federal para a garantia da normalidade
das eleições.
Desta
feita, em homenagem ao brocardo lex specialis derogat legi generali priori
não se pode negar prevalência de aplicação à norma do Código Eleitoral sobre a
norma da Lei Complementar 97/99.
______________________
Mônely Arleu.
Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Juiz de
Fora/MG - Faculdades Doctum. Especializanda em Direito
Militar pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
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