quinta-feira, 16 de maio de 2013

II CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1949: PARA A MELHORIA DAS CONDIÇÕES DOS FERIDOS, ENFERMOS E NÁUFRAGOS DOS CONFLITOS NAVAIS

Embora inúmeros sejam os instrumentos do ius in bello, dois conjuntos de leis humanitárias, especificamente, destacam-se por sua importância no âmbito do Direito Internacional dos Conflitos Armados, quais sejam: as Convenções de Genebra de 1949 e os protocolos adicionais de 1977, os quais se coadunam numa série de tratados que têm por objetivo definir os direitos e deveres dos indivíduos – combatentes ou não – em tempo de guerra.
A I Convenção de Genebra de 1949, como visto em postagem anterior (se não leu, clica aqui), tem por finalidade melhorar as condições dos feridos, enfermos e pessoal sanitário e religioso em campanha, enquanto a II Convenção de Genebra de 1949 protege os feridos, enfermos e náufragos no mar, a III Convenção de Genebra de 1949 dispõe acerca dos prisioneiros de guerra e, por fim, a IV Convenção de Genebra de 1949 confere proteção especial à população civil vítima de um conflito internacional.
No que tange aos Protocolos Adicionais, o I Protocolo Adicional versa sobre as vítimas de conflitos armados internacionais e o II Protocolo Adicional versa sobre as vitimas de conflitos armados não internacionais.
As Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais constituem a essência do Direito Internacional Humanitário, na medida em que estabelecem as regras que visam, por questões humanitárias, limitar os efeitos do conflito armado, protegendo não apenas as pessoas que não participam ou deixaram de participar das hostilidades, mas também os civis, os profissionais de saúde e de assistência, os soldados feridos ou doentes, os prisioneiros de guerra e outras pessoas privadas de liberdade, impondo restrições aos meios e métodos de guerra a que as partes podem recorrer.

Dando continuidade ao estudo das Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais, no presente texto analisaremos a II Convenção de Genebra de 1949.
Recomendamos ao leitor, antes de prosseguir na leitura do presente texto, que volte-se para a leitura das seguintes publicações anteriormente feitas: 1)DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO: Surgimento, Desenvolvimentoe Finalidade do Direito Internacional dos Conflitos Armadas’; 2) I CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1949: AProteção aos Feridos e Enfermos em Campanha

A II CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1949
Substituindo a X Convenção de Haia de 1907, a II Convenção de Genebra de 1949 trata acerca da proteção das vítimas da guerra marítima.
Note-se que a II Convenção de Genebra dá tratamento à proteção das vítimas de uma modalidade específica de batalha, qual seja, a Guerra Marítima.
Mas, afinal, o que é considerado Guerra Marítima?
Segundo SALMON, denomina-se Guerra Marítima “o conjunto de operações militares ou de atos de hostilidade efetivados por, entre ou contra as forças navais de um beligerante [...]”.[1]
Dada sua especificidade, as disposições constantes da II Convenção de Genebra de 1949 não se aplicam em qualquer situação ou localidade, mas somente em zona específica: no mar.
Por isso, havendo conflito entre forças em terra e no mar, somente às forças embarcadas aplicar-se-á as disposições da II Convenção de Genebra de 1949, sendo que, uma vez que as tropas desembarquem, ficarão sujeitas às normas que regulamentam a guerra em campanha (no caso de enfermos e feridos, a I Convenção de Genebra de 1949).
Entre as disposições constantes da II Convenção de Genebra de 1949, algumas merecem especial atenção.
É o caso, p. exemplo, do direito que possui qualquer navio de guerra de uma parte beligerante de reclamar a entrega de feridos, enfermos ou náufragos que estejam a bordo de navios-hospitais (particulares ou militares), navios mercantes, iates ou qualquer outra embarcação.
Esse direito só encontra limitação no caso de o estado de saúde do ferido, enfermo ou náufrago não permitir que ocorra a transferência, sendo obrigatório, nesse caso, que o navio, iate ou embarcação ou este se encontre disponha de instalações capazes de assegurar-lhe tratamento adequado (Cf. art. 14 da II Convenção).
Em relação aos Estados Neutros – assim considerados aqueles que não tomam nenhum lado em uma guerra entre outras partes – ocorrendo de seus navios de guerra recolher enfermos, feridos ou náufragos, ou de indivíduos desembarcarem em um de seus portos, tais países devem providenciar para que estes não voltem a participar das operações de guerra, retendo os desembarcados e promovendo a hospitalização/internamento dos que necessitarem, ficando as despesas a cargo da Potência das quais dependam as vítimas hospitalizadas/internadas (Cf. artigos 15 e 17 da II Convenção).
A II Convenção de Genebra de 1949, ainda, confere especial proteção aos navios-hospitais – construídos única e especialmente para socorrer, tratar e transportar feridos, enfermos e náufragos –, bem como aqueles utilizados pelas Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha ou outra sociedade de socorro oficialmente reconhecida (seja de uma parte em conflito ou de um país neutro), e ainda as embarcações costeiras e instalações costeiras fixas utilizadas exclusivamente por essas em suas missões humanitárias, sendo indispensável, porém, que seus respectivos nomes e características tenham sido comunicados aos beligerantes dez dias antes de sua utilização (Cf. artigos 22, 24, 25, 27 e 29 da II Convenção).
Não obstante os navios-hospitais possuam liberdade para realizar suas atividades, gozando de proteção, não podendo em circunstância alguma serem atacados ou capturados, estas jamais poderão dificultar os movimentos dos combatentes (Cf. artigo 22 e 30 da II Convenção).
Além disso, os navios-hospitais podem ser fiscalizados e vistoriados.
É possível, ainda, se a gravidade das circunstâncias assim o exigir, que as partes em conflito recusem o auxílio destas embarcações, bem como ordenem que estas se afastem, imponha-lhes rota determinada, regulamentem o uso de seus meios de comunicação e, inclusive, as retenhas por período máximo de sete dias a partir do momento da visita de inspeção (Cf. artigo 31 da II Convenção).
Vale lembrar que, não obstante gozem de proteção, os navios e embarcações de socorro atuam por sua conta e risco, sendo que, em caso de serem utilizados para cometer, fora de seus objetivos humanitários, “atos nocivos ao inimigo”, tais embarcações perdem a proteção.
Embora inúmeras sejam as interpretações tendentes a conceituar a nocividade dos atos que podem ser praticados pelos navios e embarcações de socorro, a própria Convenção tenta resolver o problema, elencando atos que não privarão os navios de proteção, quais sejam:

Artigo 35. Não serão considerados como sendo de natureza a privar os navios-hospitais ou as enfermarias dos navios da proteção que lhes é devida:
1) O fato de o pessoal desses navios ou enfermarias estar armado ou empregar as suas armas para a manutenção da ordem, para a sua própria defesa ou para a dos seus feridos e doentes;
2) O fato de existirem a bordo aparelhos destinados exclusivamente a assegurar a navegação ou as comunicações;
3) O fato de a bordo dos navios-hospitais ou nas enfermarias de navios se encontrarem armas portáteis e munições retiradas aos feridos, aos doentes e aos náufragos e que tenham sido ainda entregues ao serviço competente;
4) O fato de a atividade humanitária dos navios-hospitais e enfermarias de navios ou do seu pessoal se ter tornado extensiva a civis feridos, doentes ou náufragos;
5) O fato de navios-hospitais transportarem material e pessoal, exclusivamente destinado ao serviço de saúde, além daquele de que habitualmente necessitam.

A II Convenção de Genebra de 1949 determina que as embarcações de socorre, a fim de que sejam identificadas tanto do ar quanto do mar, sejam pintadas de branco com uma ou mais cruzes vermelhas “tão grandes quanto possível” nas laterais dos cascos e nas superfícies horizontais.
Todavia, tendo em vista a elevada altitude de voô das aeronaves modernas e a consequente dificuldade em se distinguir, do ar, um navio de guerra de um navio hospital, essa identificação visual proposta pela II Convenção de Genebra de 1949 não é mais suficiente. Por isso, visando a solução do problema, o artigo 43 da II Convenção determina que as partes concluam acordos visando a utilização de meios mais modernos para a identificação.
Finalmente, insta-nos salientar que, tal qual a I Convenção de Genebra de 1949, também a II Convenção de Genebra de 1949, possibilita que a autoridade militar apele à população civil (comandantes de navios mercantes neutros, iates ou outras embarcações igualmente neutras) para ajudar os feridos e enfermos em campanha, recebendo-os a bordo e dando-lhes assistência.
Os que atendem o apelo aos sentimentos caritativos feito pela autoridade militar, recebendo e prestando assistência às vítimas  do conflito naval, gozam de uma proteção especial e facilidades para realização de sua missão assistencial, não podendo ser, pelo fato de prestarem tal assistência, realizando tal transporte, ser capturados (Cf. artigo 21 da II Convenção).


______________________
Mônely Arleu. Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Juiz de Fora/MG - Faculdades Doctum. Especializanda em Direito Militar pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
                                                          
Deborah Mota. Graduanda em Direito pela Fundação Presidente Antônio Carlos (FUPAC). Estudiosa e Pesquisadora do Direito Internacional Humanitário (DIH) e do Direito Penal Internacional (DPI).








[1] SALMON, J. (Ed.). Dictionaire de droit international public. Bruxelles: Bruylant, 2001, p. 541 apud BORGES, Leonardo Estrela. Coleção para entender: O Direito Internacional Humanitário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 82.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário, dúvida, crítica ou sugestão.