Em 5.000 anos de
história, cerca de 14.000 guerras - que levaram à morte mais de 5 mil milhões
de pessoas - puderam ser registradas.
A ferocidade dos
combates, o balanço dos mortos e feridos, os deslocamentos de pessoas, os
atentados ao meio ambiente, o sofrimento de nações e as destruições de bens
ocorridas durante os conflitos, aterroriza.
Não obstante
todas as tentativas no sentido de substituir o recurso à força pela resolução
pacífica das diferenças havidas entre os Países, os conflitos armados, as
guerras internacionais e as guerras civis constituem a mais cruel realidade da
nossa época.
Estudos apontam
que 90% das vítimas das hostilidades são civis, mortos ou mutilados nos
combates.
Foi na
finalidade de proteger todos os que se são postos em situação de perigo - quer
sejam civis ou combatentes - em virtude da ferocidade da guerra, que o Direito
Internacional Humanitário (DIH), também conhecido como Direito Internacional
dos Conflitos Armados (DICA), surgiu.
Nos primórdios
da humanidade inexistiam limites à guerra. Nestas, a única lei que vigorava era
‘matar ou morrer’: contra o inimigo, tudo era permitido (Lei das Doze Tábuas).
Foi na
Antiguidade que os primeiros esboços do Direito Humanitário começaram a ser
traçados, quando, então, o Código de Hamurabi surgiu “[...] para implantar a justiça na terra, para
destruir os maus e o mal, para prevenir
a opressão do fraco pelo forte” (Prólogo da Lei de Hamurabi).
Foi, porém, na
Idade Média, por intermédio dos princípios da cavalaria e do cristianismo, que
as primeiras “instituições humanitárias” foram criadas.
Na Idade Média,
a sociedade européia era essencialmente guerreira, violenta e turbulenta, sendo
que sua nobreza fazia dos combates a razão de ser da sua existência: por meio
da exibição de sua força e da sua destreza nas artes militares é que os bellatores¹ afirmavam-se perante os
vilões, o povo camponês e os servos.
Em nome dessa vaidade
os bellatores permanentemente
guerreavam uns contra os outros, fazendo, por isso, da vida do povo comum um
verdadeiro inferno, na medida em que sobre seus ombros recaíam as pilhagens, as
depredações, e os demais atos de vandalismo tão comuns nestes casos.
Não bastasse
isso, ainda, em tal período, a prática da faida – exercício do direito à vingança
pelos parentes das vítimas – traduzia-se numa permanente tensão entre as
famílias nobres que, pelo motivos mais fúteis e banais, entravam em desavenças,
que culminavam em lutas abertas, duelos, emboscadas, terríveis atos de traição
e suborno, que irradiavam-se pelo feudo inteiro atingindo, inclusive,
inocentes, gerando um clima de perpétua insegurança nos campos, nas aldeias e
nas vilas.
Diante das
proporções que tais práticas tomaram e a situação insustentável de terror a que
conduziram a sociedade, a igreja interveio alertando aos bellatores e nobres que o corpo de cristo espalhava-se sobre toda a
cristandade, por isso da ferida do mais modesto dos campônios jorrava líquido
sagrado e qualquer que ferisse/mutilasse a
um cristão, estaria a ferir/mutilar o próprio Cristo.
Nesse interim é
que o acordo teórico de Paz dos Reis
– inexistente na prática – foi substituído, na tentativa de controlar os
apetites guerreiros – na medida em que persuadia os combatentes (bellatores) a aceitarem seguir certas
regras para a manutenção da tranquilidade pública –, pelo acordo da Paz de Deus, que era supervisionado
pela Igreja.
Esses acordos de
Paz feitos entre a Igreja e os bellatores,
deram origem à criação das salvaguardas e ao estabelecimento de princípios a
que todos ficavam subordinados.
Do juramento A Paz
de Deus decorreram princípios que além de proclamarem a inviolabilidade dos
templos (igrejas e mosteiros), dos pobres, do clero, dos mercadores, dos peregrinos e dos
agricultores cristãos, também protegiam seus bens.
Ainda, na
finalidade de fazer reduzir a violência dos combates, outro acordo celebrado
entre os bellatores e a igreja,
denominado A trégua de Deus,
convencionava períodos efetivos de trégua (geralmente, os períodos de grandes
festas religiosas, como, p. exemplo, a Páscoa e o Natal, bem como os períodos
de romarias em direção aos relicários venerados), sendo prevista como sanção
aos que violassem tal acordo a excomunhão.
Foi assim que as
primeiras “instituições humanitaristas”, durante a Idade Média, ganharam corpo,
e deram surgimento às primeiras regras que impunham limites à guerra.
Todavia, os fins
humanitaristas destas instituições não eram exclusivos, nem predominantes: o
interesse, que possibilitou o estabelecimento destes acordos de paz e trégua de
Deus, não era o de proteger, de forma irrestrita, toda a população da
ferocidade dos combates, mas sim aos cristãos – pela Igreja – e aos nobres –
pelos bellatores.
Somente na Idade
Moderna, especificamente no Século XVIII, é que os fundamentos do moderno
direito de guerra, cuja preocupação precípua é a de limitá-la exclusivamente
aos militares – poupando-se de sua ferocidade a população civil – foram
lançados por Jean Jacques Rousseau (O Contrato Social, 1762) e Emeric de Vattel (Direito das Gentes, 1758), colocando-se um fim à ficção da guerra
justa e à justificação desta na razão soberana dos Estados.
Foi aos 24 de
Junho de 1859 que o Direito Internacional Humanitário, como ramo do direito,
teve, na Batalha de Solferino, seu
surgimento.
Na comuna
italiana da região de Lombardia, denominada Solferino, aos 24 de junho de 1859,
travou-se uma batalha entre as forças armadas franco-italiana e prussas a qual
culminou na morte de cerca de 40.000 pessoas, tendo a maioria destas (quase
60%) morrido em decorrência de ferimentos que não puderam ser tratados (no
seguimento de feridos, a média era de 01 médico para cada 500 feridos).
O suiço Henry Dunant, jovem homem de negócios
que, por acaso, esteve presente no campo de batalha, diante do que presenciara,
retornou para casa transtornado e em 1862 redigiu o livro “Lembranças de Solferino”,
onde formulou um duplo desejo: o de que, em tempo de paz, em cada país fosse
constituída uma sociedade voluntária de socorros; e o de que os Estados
ratificassem um princípio internacional no sentido de assegurar proteção e
assistência às vítimas de lutas e conflitos armados.
No ano de 1863, através
da criação de um Comitê composto por cinco pessoas (Dunant, os médicos Appia,
Maunoir e Moyner e o General Dufour), foi instituída a Cruz Vermelha e solicitado às autoridades helvéticas a convocação
de uma Conferência Diplomática, a qual resultou na assinatura, por
representantes de 12 Estados, da Convenção
de Genebra de 1864 para melhorar a situação dos militares feridos e doentes
durante a batalha.
A partir da
assinatura da Convenção de Genebra de
1864, sob os auspícios do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a quem
compete revisar os tratados referentes ao Direito Internacional Humanitário,
importantes acordos surgiram, destacando-se, cronologicamente, os seguintes:
ü Declaração
de São Petersburgo de 1868 (que regulamentava o emprego de projéteis explosivos
ou inflamáveis);
ü Convenções
assinadas na primeira Conferência da Paz de Haia de 1899 (tratando acerca das
leis e costumes de guerra terrestre e sobre a adaptação à guerra marítima dos
princípios da Convenção de Genebra de 1864);
ü Revisão
e aprimoramento em 1906 da Convenção de Genebra de 1824;
ü Convenções
assinadas na segunda Conferência de Paz de Haia em 1907 (as quais representam
os principais documentos sobre a guerra terrestre e a marítima);
ü Protocolo
de Genebra de 1925 (trata sobre a proibição do emprego, na guerra, de gases
asfixiantes, tóxicos ou similares e de métodos bacteriológicos);
ü Pacto
Kellog-Briand, assinado em 1928 (que colocou a guerra “fora da lei”);
ü Convenções
de Genebra de 1929 (eram duas as Convenções de Genebra de 1929, sendo que a
primeira revisava e aprimorava a Convenção de Genebra de 1906 e a segunda dispunha
acerca do trato dos prisioneiros de guerra);
ü Convenções
de Genebra de 1949 (num total de quatro Convenções);
ü Convenção
de Haia de 1954 (para proteção dos bens culturais em caso de conflito armado);
ü Convenção
sobre a proibição de desenvolvimento, produção e armazenamento de armas
bacteriológicas e tóxicas sobre sua destruição, assinada no ano de 1972;
ü Protocolos
Adicionais de 1977 às Convenções de Genebra de 1949 (o primeiro trata acerca da
proteção das vítimas dos conflitos armados de caráter internacional e o segundo
relativo aos conflitos armados sem caráter internacional);
ü Convenção
sobre proibições e restrições ao emprego de determinadas armas convencionais
(há três protocolos relacionados a esta Convenção), assinada em 1980;
ü Convenção
de 1993 sobre a proibição do desenvolvimento, produção, armazenamento e emprego
de armas químicas e sobre sua destruição;
ü Protocolo
sobre armas laser que causem
cegueira, assinado em 1995;
ü Emenda,
em 1996, ao II Protocolo da Convenção de 1980, o qual trata sobre proibições e
restrições ao emprego de minas e outros artefatos;
ü Convenção
sobre proibição ao emprego, armazenamento, produção e transferência de minas pessoais
e sobre sua destruição, assinada no ano de 1997.
Atualmente,
embora inúmeros sejam os instrumentos do ius
in bello, dois conjuntos de leis humanitárias, especificamente, destacam-se
por sua importância no âmbito do Direito Internacional dos Conflitos Armadas,
quais sejam: as Convenções de Genebra de
1949 e seus Protocolos Adicionais
de 1977.
É sobre as Convenções
de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais que se assenta a base
fundamental do Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA), cuja
finalidade precípua é a de enunciar as regras aplicáveis durante os conflitos
armados, sejam eles internacionais ou nacionais, de maneira a restringir os direitos dos combatentes,
através da limitação de condutas nas hostilidades, e proteger os direitos dos não combatentes – tanto os civis, quanto
os militares fora de combate – enunciando os mecanismos de proteção das pessoas
que caíram no poder do inimigo.
Nas palavras de
Michel Deyra², o que Direito Internacional Humanitário (DIH) ou Direito
Internacional dos Conflitos Armados (DICA) pretende é “humanizar a guerra, disciplinando
os seres humanos nos seus atos de violência armada e dar proteção àqueles que
se encontram em situação de perigo.” (2001, p. 16).
______________________
Mônely Arleu.
Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Juiz de
Fora/MG - Faculdades Doctum. Especializanda em Direito
Militar pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
Deborah Mota. Graduanda em Direito pela Fundação Presidente Antônio
Carlos (FUPAC). Estudiosa e Pesquisadora do Direito Internacional Humanitário (DIH).
______________________________
¹ A sociedade
tripartite medieval, compunha-se de três ordens: 1) oratores
(aqueles que rezam); 2) bellatores (aqueles que combatem);
e, 3) laboratores (aqueles que trabalham).
² DEYRA, Michel. Droit international humanitaire.
Gualino éditeur: Paris, 2001.
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