"O primeiro caminho para que a Autoridade
Judiciária ou Militar, cometa um crime de 'Abuso de Autoridade' é seguir,
cegamente, o que diz o CPM e o CPPM."
Esta
afirmação, feita pelo doutrinador e Juiz Auditor Substituto da 3ª Auditoria da
1ª CJM, Dr. Cláudio Amin Miguel,
durante uma das aulas ministradas ao curso de especialização em Direito
Militar, promovido pelo Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas (CBEPJUR),
exprime, ainda que implicitamente e de forma despretensiosa, a necessidade
inarredável do uso do bom-senso na tomada de decisões, sejam elas judiciais ou
administrativas, especialmente no âmbito da Justiça Militar.
Pela
'Pirâmide de Hans Kelsen', há entre as leis hierarquia e todas devem se adequar
à Lei Maior, que é a Constituição.
Todavia,
é mais comum que se possa imaginar, que decisões tomadas pelas Autoridades
Judiciárias e Militares, inclusive pelo STM, deixem de observar e obedecer à regra
da hierarquia das leis, o que faz
com que, no âmbito da Justiça Militar, por vezes, se pareça que a 'Pirâmide
Kelseniana' encontra-se de cabeça para baixo: parte-se de um regulamento para
justificar uma legislação; parte-se do Código para afirmar que esse está certo
e a Constituição errada... Esquece-se de
princípios implícitos na Constituição!
Nossa
Lei Maior, a Constituição da República Federativa do Brasil, entrou em vigor
aos 05 dias do mês de outubro do ano de 1988,
não recepcionando, em virtude de serem destoantes com seus preceitos, diversos
artigos do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar, os quais
entraram em vigor, concomitantemente, em 21 de Outubro de 1969.
Contudo,
sem que se atentem para o fenômeno da não-recepção
constitucional (que analisa a compatibilidade da norma anterior com a nova
constituição, deixando de recepcionar aquelas que sejam destoantes com a nova
Constituição) e sem que submetam suas decisões a um juízo mínimo de
razoabilidade, não raras vezes, as autoridades judiciárias e militares têm
aplicado cegamente o CPM e o CPPM, o que culmina em situações que configuram
verdadeiras ABERRAÇÕES JURÍDICAS,
como ocorre, p. exemplo, nos casos de prisão em flagrante no crime de Ingresso
Clandestino.
No
crime de Ingresso Clandestino, tipificado no artigo 302 do CPM, cuja pena
máxima cominada é a de detenção por até 02 (dois) anos, não cabe liberdade
provisória.
Diante
da ocorrência de tal crime, se eu aplico cegamente o que diz o Código, eu
mantenho o sujeito preso antes da condenação (pois não cabe liberdade
provisória). Todavia, advindo condenação, ainda que na pena máxima cominada ao
delito (dois anos de detenção), ao condenado será concedida a SURSIS (Art. 88,
CPM).
Agora,
qual é a coerência de se manter o sujeito preso antes da condenação e soltar
depois que tiver a certeza da mesma? Nenhuma!
Justamente
para evitar que situações como a narrada ocorram, é imprescindível que a
autoridade militar e, especialmente, os aplicadores do Direito, ao tomarem suas
decisões, o façam sem que, contudo, desprezem os preceitos insculpidos na
Constituição, em estrita obediência aos princípios constitucionais,
especialmente ao da razoabilidade, e
sem que se desvencilhem do bom-senso
indispensável à promoção da verdadeira Justiça.
Espera-se
do aplicador do direito, especialmente do direito militar, uma visão aberta...
Ampla!
A
fim de que se promova verdadeiramente a JUSTIÇA,
não pode o aplicador do direito, simplesmente, diante do caso concreto, dizer é
“isso” ou “aquilo”... Ele deve decidir analisando o Código como um todo, bem
como a Constituição e os princípios expressos e implícitos que a norteiam.
É
imprescindível que os atos estatais, emanados por autoridades militares e/ou
judiciárias, sejam justos, o que implica em que sejam razoáveis e
proporcionais.
[...]
razoabilidade enseja desde logo uma idéia de adequação, idoneidade,
aceitabilidade, logicidade, equidade, traduz tudo aquilo que não é absurdo,
tão-somente o que é admissível. Razoabilidade tem, ainda, outros significados,
como, por exemplo, bom-senso, prudência e moderação.1
Uma
aplicação apressada e cega da lei, sem avaliação prévia de todas as
possibilidades lógicas, inevitavelmente, provoca a impressão de que a
legalidade é injusta.
Por
isso é que é indispensável que, ao interpretar a norma jurídica diante do caso
concreto, a autoridade judiciária e/ou militar leve em consideração todos os
elementos que venham a ser submetidos ao processo lógico de adequação entre a
premissa maior – que é a lei – e a premissa menor – que é o caso fático dos
autos.
Neste
sentido, o bom-senso, que se constitui como o procedimento habitual e normal a
ser apreciado em face dos fatos, é auxiliar precioso da autoridade judiciária
e/ou militar, a fim de se evitar que ocorra o indesejado summum jus, summa injuria, que quer dizer que um excesso de justiça
pode ser causa de grande injustiça.
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Mônely Arleu. Advogada.
Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Juiz de Fora/MG -
Faculdades Doctum. Especializanda em Direito Militar pela Universidade Cândido
Mendes (UCAM).
1 BARROS, Suzana. apud COSTA, Alexandre ARAÚJO. Controle de razoabilidade em sentido
estrito e exigência geral de razoabilidade. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/livros/o-controle-da-razoabilidade-no-direito-comparado/capitulo-i/controle-judicial-de-razoabilidade/1-controle-de-razoabilidade-em-sentido-estrito-e-exigencia-geral-de-razoabilidade/>.
Acesso em: 03/05/2013.
interessante posicionamento, principalmente quando as autoridades se acovardam ao deparar com problemas e resolvem dar uma "resposta a sociesdade" sacrificando os mais basilares principios da moralidade, razoabilidade e proporcionalidade, conseguindo na realidade um efeito contrário do almejado.
ResponderExcluirDe fato, é contrário o efeito que se alcança... A resposta à sociedade, entendo eu, deve exteriorizar-se sempre por meio da promoção da JUSTIÇA, que deve ser não apenas adequada, mas, sobretudo, JUSTA!
ResponderExcluirA autoridade judiciária - bem como a militar - não pode, ao decidir, ater-se a dogmas e doutrinas que não condizem com o senso de justiça com que deve atuar na promoção da JUSTIÇA!
Obrigada pelo comentário e participação, José Luiz!