domingo, 5 de maio de 2013

A INARREDÁVEL NECESSIDADE DO USO DO BOM-SENSO NA TOMADA DE DECISÕES DE CUNHO JUDICIAL OU ADMINISTRATIVO

"O primeiro caminho para que a Autoridade Judiciária ou Militar, cometa um crime de 'Abuso de Autoridade' é seguir, cegamente, o que diz o CPM e o CPPM."

Esta afirmação, feita pelo doutrinador e Juiz Auditor Substituto da 3ª Auditoria da 1ª CJM, Dr. Cláudio Amin Miguel, durante uma das aulas ministradas ao curso de especialização em Direito Militar, promovido pelo Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas (CBEPJUR), exprime, ainda que implicitamente e de forma despretensiosa, a necessidade inarredável do uso do bom-senso na tomada de decisões, sejam elas judiciais ou administrativas, especialmente no âmbito da Justiça Militar.
Pela 'Pirâmide de Hans Kelsen', há entre as leis hierarquia e todas devem se adequar à Lei Maior, que é a Constituição.
Todavia, é mais comum que se possa imaginar, que decisões tomadas pelas Autoridades Judiciárias e Militares, inclusive pelo STM, deixem de observar e obedecer à regra da hierarquia das leis, o que faz com que, no âmbito da Justiça Militar, por vezes, se pareça que a 'Pirâmide Kelseniana' encontra-se de cabeça para baixo: parte-se de um regulamento para justificar uma legislação; parte-se do Código para afirmar que esse está certo e a Constituição errada... Esquece-se de princípios implícitos na Constituição!
Nossa Lei Maior, a Constituição da República Federativa do Brasil, entrou em vigor aos 05 dias do mês de outubro do ano de 1988, não recepcionando, em virtude de serem destoantes com seus preceitos, diversos artigos do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar, os quais entraram em vigor, concomitantemente, em 21 de Outubro de 1969.
Contudo, sem que se atentem para o fenômeno da não-recepção constitucional (que analisa a compatibilidade da norma anterior com a nova constituição, deixando de recepcionar aquelas que sejam destoantes com a nova Constituição) e sem que submetam suas decisões a um juízo mínimo de razoabilidade, não raras vezes, as autoridades judiciárias e militares têm aplicado cegamente o CPM e o CPPM, o que culmina em situações que configuram verdadeiras ABERRAÇÕES JURÍDICAS, como ocorre, p. exemplo, nos casos de prisão em flagrante no crime de Ingresso Clandestino.
No crime de Ingresso Clandestino, tipificado no artigo 302 do CPM, cuja pena máxima cominada é a de detenção por até 02 (dois) anos, não cabe liberdade provisória.
Diante da ocorrência de tal crime, se eu aplico cegamente o que diz o Código, eu mantenho o sujeito preso antes da condenação (pois não cabe liberdade provisória). Todavia, advindo condenação, ainda que na pena máxima cominada ao delito (dois anos de detenção), ao condenado será concedida a SURSIS (Art. 88, CPM).
Agora, qual é a coerência de se manter o sujeito preso antes da condenação e soltar depois que tiver a certeza da mesma? Nenhuma!
Justamente para evitar que situações como a narrada ocorram, é imprescindível que a autoridade militar e, especialmente, os aplicadores do Direito, ao tomarem suas decisões, o façam sem que, contudo, desprezem os preceitos insculpidos na Constituição, em estrita obediência aos princípios constitucionais, especialmente ao da razoabilidade, e sem que se desvencilhem do bom-senso indispensável à promoção da verdadeira Justiça.
Espera-se do aplicador do direito, especialmente do direito militar, uma visão aberta... Ampla!
A fim de que se promova verdadeiramente a JUSTIÇA, não pode o aplicador do direito, simplesmente, diante do caso concreto, dizer é “isso” ou “aquilo”... Ele deve decidir analisando o Código como um todo, bem como a Constituição e os princípios expressos e implícitos que a norteiam.
É imprescindível que os atos estatais, emanados por autoridades militares e/ou judiciárias, sejam justos, o que implica em que sejam razoáveis e proporcionais.

[...] razoabilidade enseja desde logo uma idéia de adequação, idoneidade, aceitabilidade, logicidade, equidade, traduz tudo aquilo que não é absurdo, tão-somente o que é admissível. Razoabilidade tem, ainda, outros significados, como, por exemplo, bom-senso, prudência e moderação.1

Uma aplicação apressada e cega da lei, sem avaliação prévia de todas as possibilidades lógicas, inevitavelmente, provoca a impressão de que a legalidade é injusta.
Por isso é que é indispensável que, ao interpretar a norma jurídica diante do caso concreto, a autoridade judiciária e/ou militar leve em consideração todos os elementos que venham a ser submetidos ao processo lógico de adequação entre a premissa maior – que é a lei – e a premissa menor – que é o caso fático dos autos.
Neste sentido, o bom-senso, que se constitui como o procedimento habitual e normal a ser apreciado em face dos fatos, é auxiliar precioso da autoridade judiciária e/ou militar, a fim de se evitar que ocorra o indesejado summum jus, summa injuria, que quer dizer que um excesso de justiça pode ser causa de grande injustiça.


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Mônely Arleu. Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Juiz de Fora/MG - Faculdades Doctum. Especializanda em Direito Militar pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).





1 BARROS, Suzana. apud COSTA, Alexandre ARAÚJO. Controle de razoabilidade em sentido estrito e exigência geral de razoabilidade. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/livros/o-controle-da-razoabilidade-no-direito-comparado/capitulo-i/controle-judicial-de-razoabilidade/1-controle-de-razoabilidade-em-sentido-estrito-e-exigencia-geral-de-razoabilidade/>. Acesso em: 03/05/2013.

2 comentários:

  1. José Luiz Freita Oliveira5 de maio de 2013 às 14:08

    interessante posicionamento, principalmente quando as autoridades se acovardam ao deparar com problemas e resolvem dar uma "resposta a sociesdade" sacrificando os mais basilares principios da moralidade, razoabilidade e proporcionalidade, conseguindo na realidade um efeito contrário do almejado.

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  2. De fato, é contrário o efeito que se alcança... A resposta à sociedade, entendo eu, deve exteriorizar-se sempre por meio da promoção da JUSTIÇA, que deve ser não apenas adequada, mas, sobretudo, JUSTA!

    A autoridade judiciária - bem como a militar - não pode, ao decidir, ater-se a dogmas e doutrinas que não condizem com o senso de justiça com que deve atuar na promoção da JUSTIÇA!

    Obrigada pelo comentário e participação, José Luiz!

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